A insulina é uma hormona produzida e segregada pelas células β-pancreáticas, conhecida historicamente pelo seu papel na homeostasia da glicose. No entanto, tem-se verificado um crescente interesse pelas suas funções a nível do sistema nervoso central.
A insulina apresenta várias funções a nível do sistema nervoso central, nomeadamente a nível do metabolismo energético. A insulina central inibe a neoglicogénese hepática, provoca uma diminuição na ingestão alimentar e uma perda de peso. Esta hormona também apresenta um papel relevante na reprodução, ao estimular a libertação de GnRH pelo hipotálamo. Verificou-se também que a insulina apresenta uma função neuromodeladora importante, nomeadamente na transmissão glutaminérgica, GABAérgica, noradrenérgica e colinérgica, interferindo por isso em processos cognitivos e de memória. Esta hormona apresenta propriedades neuroprotetoras importantes: inibe a apoptose, minora os efeitos deletérios do stress oxidativo e da isquemia e diminui a toxicidade decorrente da acumulação do peptídeo β-amilóide. Talvez por isso, disfunções centrais da insulina estejam relacionadas com o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas e psiquiátricas. Confirmou-se que a doença de Alzheimer apresenta vários mecanismos fisiopatológicos comuns à diabetes mellitus, nomeadamente processos inflamatórios e resistência à insulina, levando a uma maior acumulação β-amilóide, aumento da formação de tranças neurofibrilares e deterioração sináptica. Além desta, existem muitas patologias neuropsiquiátricas (como a doença de Parkinson, doença de Huntington e depressão) em que distúrbios da insulina apresentam um papel patológico.
A aquisição de glicose pelo cérebro é um processo independente da insulina. Este facto poderia levar à suposição que este é um órgão insensível à insulina. No entanto, a presença de insulina e dos seus recetores no cérebro revolucionou este conceito. Apesar de ainda não perfeitamente definidas, é atualmente claro que a insulina desempenha várias funções fisiológicas e patofisiológicas a nível do sistema
nervoso central, nomeadamente a nível da ingestão alimentar, controlo de peso, cognição, aprendizagem, memória e reprodução. Foram ainda descritas funções neuromoduladoras, neurotróficas e de neuroprotecção. Em adição, a insulina e os distúrbios associados à sua deficiente secreção ou ação, nomeadamente a diabetes mellitus (DM), parecem contribuir ou, nalguns casos, possuir um papel principal no desenvolvimento e progressão de doenças neurodegenerativas e neuropsiquiátricas, como são exemplo a doença de Alzheimer, doença de Parkinson, Coreia de Huntington, depressão e psicose. Tem sido referida uma associação próxima entre a DM tipo 2 e a doença de Alzheimer, sendo esta patologia neurodegenerativa mais frequente na população diabética. Estas duas patologias partilham vários aspetos fisiopatológicos, tais como resistência à insulina, agregação da proteína amiloide, processos inflamatórios e alterações cognitivos, sugerindo a existência de um processo patológico comum ou relacionado. É possível que a demência de Alzheimer seja uma doença neuroendócrina associada à sinalização da insulina, sendo denominada por alguns autores como “diabetes tipo 3”. O conhecimento das funções e dos mecanismos de ação da insulina no cérebro é fundamental tanto para uma melhor compreensão da fisiologia do SNC, como para apreciar as consequências do seu mau funcionamento. O estudo da resistência e / ou diminuição da insulina no cérebro poderá ainda levar à descoberta de novas ferramentas diagnósticas e terapêuticas para várias doenças neurodegenerativas.
RECETORES DE INSULINA NO CÉREBRO
Ao contrário dos tecidos periféricos, a aquisição de glicose pelo SNC é independente da insulina. Apesar desta realidade, vários estudos têm vindo a confirmar a presença de recetores da insulina (RI) no cérebro, sendo a sua concentração variável consoante a região. Verificou-se que locais como o bulbo olfativo, córtex cerebral, hipocampus, cerebelo e plexo coroide apresentam uma maior densidade de RI.
Foi também demonstrado que a distribuição de RI não está relacionada com a vascularização ou densidade celular, sendo mais abundantes em regiões com alta estimulação sináptica. Por outro lado, verificou-se também que substratos dos RI como IRSp58 e IRSp53 estão em alta concentração nas sinapses do cerebelo, córtex cerebral e neurónios do hipocampo, facto que sugere que todo o processo de sinalização da insulina tenha um papel importante no processo de sinalização sináptica do SNC.
Observa-se uma variabilidade da densidade de RI no cérebro embrionário e adulto, sugerindo uma provável correlação entre o desenvolvimento do SNC e funções centrais da insulina. Foi demonstrado que nos ratos, a nível do tálamo, corpo estriado e alguns núcleos do tronco cerebral do SNC existe uma alta concentração de RI na vida embrionária, e uma baixa densidade na vida adulta. Também foi observada uma alta densidade de RI no cérebro de fetos humanos, sendo reportado a diminuição da sua concentração com a idade.
Segundo alguns autores, esta diminuição na densidade dos RI está confinado ao bulbo olfativo, não se verificando em regiões como o córtex frontal, hipocampo e hipotálamo. O RI é composto por duas subunidades α extracelulares, ligadas entre si e a duas subunidades β por ligações dissulfídicas.
Apesar dos RI cerebrais possuírem propriedades farmacológicas e cinéticas semelhantes aos RI periféricos, os recetores centrais diferem em vários aspetos, nomeadamente no seu tamanho molecular, antigenicidade, composição de hidratos de carbono e na sua regulação pela própria insulin.
Em oposição aos recetores periféricos, em que um excesso de insulina circulante leva a uma dessensibilização dos recetores, o mesmo não se verifica nos recetores centrais, levando à conclusão que estes são regulados de formas distintas.
A ORIGEM DA INSULINA NO CÉREBRO: CENTRAL VERSUS PERIFÉRICA
Apesar da presença de insulina no líquido cérebroespinal (LCE) estar bem documentada, a origem da insulina “cerebral” é controversa. Achados prévios suportam a hipótese de que pelo menos uma porção da insulina do cérebro é produzida a nível do SNC. Todavia, outras fontes de insulina devem ser consideradas, tais como a origem periférica com passagem pela BHE, ou a associação de ambas.
FUNÇÕES DA INSULINA NO SNC
A presença de recetores de insulina no cérebro levanta a questão do papel desta hormona no SNC. Estão atualmente descritas funções a nível do metabolismo energético, ingestão alimentar, controlo de peso, aprendizagem, memória, reprodução e processos de neuromodelação e neuroproteção (Tabela 1).
Doença de Huntington
A doença de Huntington (DH) é uma doença genética autossómica dominante, caracterizada pela produção de uma forma alterada da proteína huntingtina.
A acumulação desta proteína causa a disfunção progressiva e morte neuronal, particularmente no corpo estriado e córtex. As manifestações clínicas da DH incluem distúrbios motores, declínio cognitivo e patologias psiquiátricas. Dados preliminares de vários estudos experimentais e clínicos mostram que a DH poderá estar associada a distúrbios da insulina e DM.
O processo neuroinflamatório também possui um papel crítico no desenvolvimento e progressão da DH. Estão disponíveis linhas de evidência que mostram que anti-inflamatórios e fármacos sensibilizadores à insulina possuem efeitos protetores em modelos experimentais de DH e em alguns ensaios clínicos.
Para ler o artigo completo acesse o link: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/30635/1/A%20Insulina%20e%20o%20C%C3%A9rebro_%20da%20fun%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20disfun%C3%A7%C3%A3o.pdf
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